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Qual é a função das emoções

Antes de conseguirmos regular as nossas emoções, precisamos entendê-las com clareza. Por isso, esta seção foca na função das emoções e quais são as suas utilidades e os seus efeitos em nossas vidas.


1. "Mas para que servem as emoções, mesmo?" - Analisando a sua finalidade


Vamos olhar para a lista de emoções novamente: raiva, repulsa, medo, culpa, alegria, ciúmes, inveja, tristeza, vergonha, surpresa, interesse e amor. Dentre as doze emoções citadas, reparamos que a grande maioria (oito) delas são emoções negativas. Por mais que possa haver uma certa satisfação nas emoções negativas, como na auto-piedade da tristeza e na retaliação da raiva, elas são essencialmente aversivas e sofridas. Não só isso, elas também interferem negativamente nos nossos processos de decisão. Não só fazemos escolhas ruins evitando o sofrimento das nossas emoções como também fazemos escolhas ruins sob a influência delas. Quem nunca gritou com quem ama por estar irritado e se arrependeu? Ou se auto-sabotou em um projeto importante por estar muito ansioso com o desafio? Nesse aspecto, até mesmo as emoções positivas podem nos atrapalhar, pois elas também deixam o nosso raciocínio tendencioso e pronto para fazer escolhas impulsivas - e frequentemente o resultado é uma péssima escolha em nome do amor e do prazer.

Por que, então, não nos livramos de uma vez das nossas emoções? Não teríamos vidas melhores se nos livrássemos das nossas emoções, especialmente das emoções negativas?

Infelizmente, a resposta é que não - nossa vida não seria melhor. Assim como a dor física, as nossas emoções, mesmo as emoções negativas, têm a sua função e são vitais para uma boa saúde mental. Apesar do que muitos imaginam, no final das contas, uma pessoa que não sente raiva, não fica triste ou não tem medo não é uma pessoa saudável. Até as emoções negativas têm um papel fundamental em nossa vida (e que não é à toa que são maioria em nossa lista). Quando percebemos isso, passamos a compreendê-las melhor, a interpretar seus sinais e a ouvir suas mensagens.

As emoções (todas elas) têm pelo menos três funções cruciais em nossas vidas. Elas são as seguintes:

1. Mobilizar o nosso organismo para tomar decisões e agir

2. Trazer informações importantes sobre quem somos

3. Auxiliar na navegação do mundo social


1. Mobilizar o nosso organismo para tomar decisões e agir

Como já exposto, a função primária das emoções é preparar o nosso organismo para reagir aos desafios do mundo. Abrir mão das emoções significaria, mais que tudo, abrir mão do nosso processo básico de deliberação de nossas decisões. Isso porque somos seres tão complexos que em qualquer dado momento possuímos ao menos uma dúzia de diferentes objetivos, e decidir rapidamente qual deles priorizar requer uma simplificação do problema.

As emoções fazem justamente isso - elas são o processo pelo qual o nosso cérebro nos mobiliza para tomar rapidamente algumas decisões e não outras. Desse modo, as emoções motivam e preparam o nosso organismo para reagir imediatamente, o que nos possibilita agir a tempo diante das demandas do mundo.

Um jeito de entender isso é que não contemplamos os prós e os contras de dar um tapa na aranha cabeluda que está subindo pelo nosso braço. Isso aconteceu porque essa estratégia não foi a que mais deixou descendentes. A estratégia de quase enfartar e dar um tapa na aranha para longe (junto com todo o chá dentro da caneca que você estava segurando), apesar de não ser tão elegante), foi a estratégia que deu certo. Pois o susto e resposta automática de medo foi o que te deu a reação rápida o suficiente para tirar a aranha antes que ela te picasse, e o coração quase saindo da boca é o que é necessário para te dar energia caso fosse necessário correr imediatamente caso a família da aranha se revolte e corra atrás de você (ou só eu tenho esse medo?).

Uma outra forma de compreender essa questão é entender que as emoções são heurísticas. Heurística se refere a uma solução simples para um problema complexo, pois, apesar de não acertar 100%, um processo heurístico ainda é interessantes por ser facilmente executado e acertar na maioria das vezes em que é relevante. Por exemplo, "diante de um barulho alto" -> "preste atenção e esteja pronto para correr" é uma estratégia que não vai acertar sempre, mas vai ajudar a uma resposta rápida quando estiver realmente em perigo. Portanto, as emoções nos permitem tomar decisões de maneira rápida e eficaz.

Heurísticas também nos possibilitam resolver problemas que seriam praticamente impossíveis de serem solucionados da maneira precisa. Por exemplo, será que um prato de comida vale 20 reais?

Para responder a esta pergunta, é necessário responder qual é a utilidade de um prato de comida para você e qual é a utilidade de 20 reais. Pode parecer uma pergunta simples, mas se formos mais a fundo, vamos perceber que responder a esta pergunta de um jeito que abarque todas as variáveis é praticamente impossível. Para chegar a uma resposta precisa para essa pergunta é necessário responder várias outras como: quais são as minhas alternativas de comida, quanto de dinheiro eu ainda tenho, quanto de dinheiro que é possível que eu tenha no futuro, quais são as outras coisas que eu quero comprar com esse dinheiro, como o prato de comida se compara ao valor de todas as outras coisas que eu poderia comprar com esse dinheiro, etc. Talvez seja mais fácil decidir se for a única opção. Mas como decidir se temos alternativas que variam no sabor, saciedade, nutrição, valor? Teremos que responder essas perguntas para todas essas outras opções e comparar as respostas.

Vendo por um ângulo evolutivo e neurológico, a verdade é que o nosso cérebro racional foi montado e programado "em cima" do nosso cérebro emocional e não tem como funcionar sem ele. Isso se evidencia em pacientes com lesões na parte do cérebro que conecta a nossa parte racional com a parte emocional (o córtex pré-frontal ventromedial). Essas pessoas que não conseguem se conectar com as suas emoções demonstram dificuldades para tomar e para avaliar adequadamente as melhores alternativas. Elas escolhem mal seus amigos e parceiros românticos e não conseguem rever as suas decisões mesmo quando elas dão errado de novo e de novo. Apesar da literatura apresentar personagens desconectados de suas emoções como Spock como inteligentes e capazes de fazer escolhas sensatas em situações estratégicas, a verdade é mais sombria. Observou-se que pessoas sem essa capacidade de se conectar com as suas emoções não conseguem fazer decisões nem mesmo para um jogo de cartas.

Nosso cérebro consciente não tem como substituir o cérebro intuitivo, mas pode corrigi-lo e orientá-lo onde for necessário. Assim, as emoções podem ser vistas como um "piloto automático" - um programa automático de correção de curso que está sujeito a mudanças pontuais por nós mesmos (os pilotos), conscientemente.


2. Trazer informações importantes sobre quem somos


Além de nos ajudar a tomar decisões, as emoções também têm a função de revelar as nossas necessidades. Como o que aparece para ser analisado conscientemente é provavelmente o topo visível do iceberg em comparação às todas as informações no nosso arcabouço inconscientemente, precisamos de uma maneira de entrar em contato com ele e entendê-lo. A principal maneira que fazemos isso é por meio de nossas emoções. Portanto, estaríamos em grandes apuros se resolvêssemos ignorá-las. Quando rejeitamos uma emoção, rejeitamos também as informações que a emoção está trazendo - informações valiosas sobre crenças, percepções e valores.

De uma forma geral, podemos dizer que as emoções comunicam-se conosco, funcionando mensageiros, trazendo sinais de alarmes e pistas de que algo significativo está acontecendo e que devemos prestar atenção. Essa é parte da sabedoria por trás da frase “Ouça o seu coração”, ou de quando alguém tem uma "boa sensação" em relação a algo ou que sente "algo de estranho" na pessoa que se aproxima, estamos nos referindo aos sentimentos como sinais. Outros exemplos, descobrimos o quanto apreciávamos um amigo em nossa tristeza quando o perdemos, descobrimos nossa necessidade de afeto e cuidado em nossa raiva por nosso parceiro ausente, descobrimos o quanto nos importamos com a admiração dos outros por nós em nossa ansiedade por fazer tudo perfeitamente.

Mesmo que as mensagens sejam exageradas, ainda precisamos estar em sintonia com elas. Não é necessário obedecer às emoções, mas é escutando-as e dialogando com as suas origens que teremos progresso em lidar com as nossas questões pessoais e dificuldades afetivas.


3. Nos ajudam a navegar na vida social


Vamos imaginar uma pessoa sem sentimentos - puramente racional. Um jeito de imaginar essas pessoas que não conseguem se conectar com as suas emoções é imaginar alguém completamente utilitarista e lógico, seguindo somente os ditados da razão e da funcionalidade, como Spock de Jornada nas Estrelas. Essa ideia da pessoa puramente racional também aparece em outros personagens populares como Sherlock Holmes, Sheldon Cooper e dr. House. Esses personagens usariam a sua racionalidade e inteligência para serem excepcionais em suas profissões. Eles também são, no entanto, um desastre em suas vidas sociais e amorosas. A sabedoria que está implícita nas histórias desses personagens de que as emoções são altamente necessárias para a nossa convivência social é muito similar ao que é observado na clínica - pessoas que evitam ou bloqueiam emoções são particularmente defasadas em suas habilidades sociais.

A importância das emoções vem de como elas catalizam e aprofundam a comunicação com os outros. Por exemplo, as expressões faciais, que são aspectos biologicamente intrínsecos das emoções, aceleram as interações humanas, permitindo uma livre e automática troca de informações. Uma criança reage espontaneamente ao sorriso ou ao olhar apavorado de um adulto, e essa reação automática funciona bem para as crianças até elas aprenderem a usar as palavras. Mesmo após as crianças aprenderem a falar, as expressões faciais continuam sendo essenciais em nossas vidas sociais. Dominar as duas formas de expressão emocional (verbal e não verbal) significa ter flexibilidade e competência para comunicação social.

Apesar de possuírem um fundo automático, as expressões emocionais também se tornam funcionais ao serem modeladas pela ambiente no qual crescemos. Dependendo da nossa cultura, pais, irmãos, colegas, professores, temperamentos e mudanças de nossa personalidade, mudamos e adequamos a nossa forma de expressão emocional. Por exemplo, pessoas que crescem em ambientes invalidantes tendem ter menos expressões emocionais, esconder as suas emoções e não saber o que estão sentindo - o que faz com que sejam menos aptas à vida e ao jogo social.

As expressões emocionais também influenciam os outros (quer queiramos, quer não). As expressões de cordialidade e simpatia em relação a um conhecido, por exemplo, podem resultar em um favor posterior; a decepção expressada por um supervisor pode resultar em trabalhos mais aprimorados do funcionário no futuro; e a raiva pode resultar em uma pessoa conceder a outra os seus legítimos direitos, em vez de negá-los.



2. Função das emoções


O que há de comum é que todas as emoções vão mobilizar o nosso organismo para enfrentar um determinado desafio, mas o efeito de cada uma delas será diferente e terá um função particular. Segue um resumo da função das nossas emoções primárias.

Ansiedade /Medo

O medo tem a função de nos manter seguros e organiza nossas respostas ao que ameaça a nossa vida, a nossa saúde ou o nosso bem-estar. Ele nos impulsiona a escapar do perigo por meio de evitação e da fuga.

Raiva

A raiva organiza a nossa resposta quando sofremos com um ataque. Ela nos dá o ímpeto necessário para contra-atacar para que possamos nos defender quando somos explorados, enganados ou temos os nosso direitos violados. Sentimos vontade de retaliar para coibir novos ataques de modo a preservarmos os nossos direitos e o que quer que seja importante em nossas vidas.

Tristeza

A tristeza organiza nossas respostas quando perdemos alguém ou algo importante, e quando metas são perdidas ou não são alcançadas. Assim como a dor nos faz tirar a mão da chapa quente da panela, a tristeza também nos faz valorizar as pessoas que amamos quando perdemos alguém importante. Quando o mundo nos machuca, é importante nos retrairmos e nos conectarmos com o que é essencial em nossas vidas, reavaliar as nossas estratégias e, aos poucos, sair do nosso casulo. E fazemos isso comunicando aos outros com a tristeza que precisamos de ajuda.

Vergonha

A vergonha tem duas funções importantes. Primeiro, ela nos induz a esconder comportamentos que provocariam a rejeição alheia e ocasionariam a nossa rejeição pela comunidade. Segundo, se o nosso comportamento de alguma forma vem a público, ela nos leva à humildade e à reconciliação com aqueles que ofendemos, de modo a não sermos rejeitados. A vergonha é uma emoção de base comunitária.

A vantagem da vergonha, evolutivamente, é que ela mantém a pessoa na sociedade por inibir comportamentos malvistos por ela. Embora ficar em uma comunidade que provoca vergonha não seja benéfico em muitos casos, não chega a ser completamente inútil, pois poderia fazer a diferença entre a vida e a morte em certos grupos ou culturas.

Culpa

A culpa ocorre quando percebemos que violamos valores importantes. Ela nos mobiliza para atitudes que busquem a reparação da nossa conduta e a prevenção de futuras violações.

Ciúmes

O ciúme ocorre quando nos vemos ameaçados de perder um relacionamento ou algo para alguém. Ele organiza respostas de controle e proteção daquilo que sentimos ciúmes. Costumamos fazer isso tentando controlar as ações das pessoas que queremos perto de nós, ou recusando-se a compartilhar o que temos com os outros.

Inveja

A inveja organiza nossas respostas ao fato de os outros obterem ou terem coisas que não temos, mas que queremos, ou das quais precisamos. Concentra-nos em trabalhar arduamente para obter o que as outras pessoas têm.

Também pode nos mobilizar para tentar reduzir o que os outros têm (quando eles têm muito mais do que nós), para equilibrar a distribuição de recursos. Dessa forma, a inveja pode ser pensada como a emoção que redistribui a riqueza e o poder.

Amor

O amor organiza nossas respostas relacionadas com a reprodução e à sobrevivência. Concentra-nos na união e no apego aos outros. O amor atua para nos motivar a encontrar, a estar com outras pessoas e coisas e a nos conectar com elas. Ele se justifica quando aqueles que amamos melhoram nossa sobrevivência e nosso bem-estar. Alguém pode argumentar que todas as pessoas e coisas podem ser amadas (e os fatos, portanto, sempre justificam o amor).

Felicidade

A felicidade organiza nossas respostas ao funcionamento ideal de nós mesmos, daqueles que nos interessam ou do grupo social do qual fazemos parte. Concentra-nos nas atividades que aumentam o prazer e nos valores pessoais e sociais

Repulsa/Nojo

A repulsa organiza nossas respostas a situações e coisas que são ofensivas e contaminantes. Concentra-nos em rejeitar (e nos distanciarmos de) algum objeto, evento ou situação. A repulsa atua para manter a contaminação longe de nós. Ela nos impulsiona a se livrar de tudo que consideramos repulsivo. Enfatize que a repulsa está relacionada com as pessoas (incluindo o self), bem como a coisas como alimentos, fluidos corporais ou excrementos. Exemplo: A repulsa nos impede de comer alimentos que vão nos envenenar, de entrar em uma água tão poluída que pode nos matar, de pegar ou tocar coisas que podem causar doença.


2.1 Modos diferentes de atuar no mundo


Desse maneira, as nossas emoções são como "modos" diferentes de atuar no mundo, que nos mobilizam a ter prioridades diferentes. Por exemplo, enquanto que a alegria e empolgação nos mobiliza para investir energia e tempo para projetos que darão bons frutos, a raiva nos mobiliza para resolver o problema de ataques futuros de um agente mal intencionado e a ansiedade nos mobiliza para buscar segurança e controle. Dependendo da situação que nos encontramos, um desses objetivos será mais importante que o outro, e o nosso aparato emocional, como um bom piloto automático, toma conta de nos direcionar para o lugar de maior prioridade.

Isso explica porque agimos em situações de ativação emocional intensa de maneira tão diferente do que antecipamos. Nossas prioridades quando nos sentimos culpados ou felizes é diferente das nossas prioridades quando nos sentimos ansiosos ou com raiva. Assim, fica claro porque furamos a nossa dieta, porque machucamos quem amamos e porque nos sabotamos profissionalmente ao não aproveitar o que pareciam ser ótimas oportunidades, mesmo quando o nosso plano inicial era 100% outro. Parecemos que somos pessoas diferentes dentro do mesmo corpo, mas a realidade é que somos simplesmente a mesma pessoa priorizando resolver problemas diferentes por termos emoções diferentes. Quando estamos ansiosos priorizamos a nossa segurança, e não recompensas de curto prazo como quando estarmos animados ou de longo prazo quando estamos tranquilos. E quando estamos com raiva priorizamos ensinar uma lição ao outro para não ser alvo de injustiças e ataques futuros, e não o nosso bem estar ou dos nossos relacionamentos. Quando as nossas emoções mudam, as nossas prioridades também mudam.




 
 
 

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André Wageck

Especialista em terapia clínica cognitiva-comportamental pelo Instituo WP. Graduado em psicologia e mestre em filosofia da mente pela Universidade Federal do Paraná

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©2020 por André Wageck

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